Quando falamos em comunicação de más notícias em saúde é necessário que abordemos questões emocionais e interpessoais. Vale refletir, sobretudo, como o indivíduo lida com sua saúde emocional, seja pelo olhar do receptor ou do comunicador da notícia.
Por Karen Estevam, atriz, fundadora e diretora artística da ATO.
O que vem à cabeça quando falamos em comunicação de más notícias? Certamente que é o comunicar uma notícia ruim ou alguma situação que poderá desestabilizar emocionalmente uma pessoa a qual a notícia chegará.
Podemos conceituar más notícias como: “Qualquer informação que afeta seriamente e de forma adversa a visão de um indivíduo sobre seu futuro”. Buckman R.,1992. Quando falamos em comunicação de más notícias em saúde é necessário que abordemos questões emocionais e interpessoais. Vale refletir, sobretudo, como o indivíduo lida com sua saúde emocional, seja pela olhar do receptor ou do comunicador da notícia.
“Uma boa comunicação por parte do médico facilita o alinhamento dos tratamentos com os objetivos e valores dos pacientes e/ou seus familiares e é essencial para a prestação de cuidados médicos de alta qualidade” afirma Sandra Regina Gonzaga Mazutti, mestre em Ciências da Saúde e Especialista em Psicologia Hospitalar e Terapia Cognitiva Comportamental.
“As reações emocionais às informações médicas podem representar uma barreira para a compreensão da doença do paciente. Uma escuta ativa às reações emocionais dos pacientes e/ou seus familiares garantem e facilitam um bom vínculo na relação médico/paciente e a progressão efetiva de conversas difíceis.” pontua Sandra.
Escolhi abordar o tema “más notícias” no início do ano pois existem duas ações/iniciativas que se conectam com o conteúdo e significado desta matéria. A primeira ação que vem de encontro ao nosso assunto é o Janeiro Branco, maior campanha brasileira sobre Saúde Mental do mundo em prol da construção de uma cultura da Saúde Mental na humanidade. O termo foi criado pelo psicólogo mineiro Leonardo Abrahão em 2014 e foi reconhecido pela OMS logo após. A segunda, não menos importante, é o dia 04 de fevereiro, Dia Mundial do Câncer, que é uma iniciativa global organizada pela União Internacional para o Controle do Câncer (UICC) com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS). Criada em 2000, por meio da Carta de Paris contra o câncer, a data tem como objetivo aumentar a conscientização e a educação mundial sobre a doença, além de influenciar governos e indivíduos para que se mobilizem pelo controle do câncer evitando, assim, milhões de mortes a cada ano.
Mas o que essas iniciativas tem em comum com o assunto “comunicação de más notícias”?
De acordo com o portal PEBMED, até a década de 70 muitos médicos optavam por omitir informações dos seus pacientes, isso vem de encontro à artigos e teses acadêmicas na qual estudos mostram que o fator considerado como mais difícil no momento de discutir a notificação de uma notícia é lidar com as emoções do paciente, tendo como exemplo o artigo: “Comunicação de más notícias: ferramenta essencial na graduação médica”, publicado na Revista Brasileira de Educação Médica – Universidade da Região de Joinville, Santa Catarina.
“Na minha experiência observo que os médicos têm dificuldade em falar sobre o processo de terminalidade do paciente, óbito e dar notícia de diagnóstico grave que acometem os jovens.” ressalta, Sandra Mazutti.
É possível observar que as dificuldades se estabelecem, principalmente, no ato de expressar-se assertivamente sobre determinado diagnóstico e como lidar com a reação emocional do paciente/familiar.
“Existem vários protocolos que na verdade são estruturas de comunicação e servem como roteiros que ancoram e orientam os médicos em conversas desafiadoras. A exemplo de alguns temos o PACIENTE, ACE (Avaliar, Comunicar, Empatia) o SPIKES etc., como método mnemônico para facilitar sua utilização no contexto nacional. Vale salientar que todos contemplam itens necessários para uma boa comunicação.” conclui Sandra.
O protocolo SPIKES foi desenvolvido em 2000 por médicos norte-americanos e consiste em uma ferramenta composta por seis etapas para transmitir más notícias aos pacientes com câncer.
De acordo com Sandra, o método SPIKES é útil porque é curto, de fácil compreensão e concentra-se em habilidades específicas que podem ser praticadas. Além disso, esse protocolo pode ser aplicado na maioria das situações de divulgação de más notícias, incluindo diagnóstico, recorrência, transição para cuidados paliativos e até divulgação de erro. Sandra pontua ainda que esse método também inclui sugestões reflexivas para os médicos sobre como lidar com sua própria angústia em ser o mensageiro de más notícias.
Por ser um método útil e rico em aprendizados, o abordaremos mais profundamente em outra matéria aqui no blog.
Estratégias para treinar habilidade de comunicação
A comunicação humana é algo extremamente complexo, mas totalmente treinável e aprimorado.
Como estratégia para treinar habilidade decmunicação “utilizamos a metodologia ativa que é a Simulação realística”, explica Mazutti. “A Simulação realística por meio de cenários clínicos replica experiências da vida real e favorece um ambiente participativo e de interatividade. Permite o erro sem expor o paciente ao risco. Trata-se de uma metodologia com bons resultados no desenvolvimento de Habilidades de comunicação (atitudinal).”, continua a psicóloga.
As simulações realísticas com comunicação de más notícias sempre foram as que mais me fascinaram, pois, enquanto atriz, eu tinha mais abertura e possibilidades de interpretações, podendo reagir emocionalmente conforme a comunicação estabelecida por cada estudante.
Tive a oportunidade de estar ao lado e ser orientada pela professora Sandra em diversos cenários para comunicar más notícias em simulações na Universidade Anhembi Morumbi. Ela orientava, mas me deixava livre para responder conforme sentisse o impacto da notícia recebida. Atuando em simulações realísticas com comunicação de más notícias pude sentir a dificuldade dos alunos em como comunicar uma notícia ruim e ainda assim estabelecer uma relação empática com o familiar, mas pude ver também a evolução de alguns que passaram por mim ao longo dos anos.
“A participação dos atores é de fundamental importância porque no momento em que os estudantes treinam a habilidade da comunicação, esses reagem de forma tão realista que acabam envolvendo emocionalmente o estudante, possibilitando no debriefing a reflexão sobre vários objetivos que envolvem uma boa comunicação.” finaliza Sandra.
Texto original publicado em janeiro de 2021.
Última atualização: janeiro de 2022.
Sandra Regina Gonzaga Mazutti é Mestre em Ciências da Saúde e Especialista em Psicologia Hospitalar e Terapia Cognitiva Comportamental. Coordenadora de Serviços de Apoio ao Estudante e Docente do Curso de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi – São Paulo/SP.
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Para saber mais sobre a Campanha Janeiro Branco, acesse: https://janeirobranco.com.br/.
Para saber mais sobre o Dia mundial do Câncer, acesse: https://www.inca.gov.br/.