A arte simulando a vida!
Introdução
A simulação clínica tem se tornado uma ferramenta indispensável na formação e treinamento de profissionais da área da saúde. Essa metodologia permite que os estudantes e profissionais pratiquem suas habilidades em um ambiente seguro, simulando situações clínicas reais. Um dos elementos-chave, que a meu ver, compõe a Simulação Clínica é a participação do ator, pois este contribui de forma significativa para o ambiente de ensino.
Em minha experiência como ator já vivenciei diversos tipos de “encenações” e, há alguns anos, atuo também em Simulações Clínicas. Esse novo universo, eu chamo assim mesmo, me apresentou uma infinidade de camadas e nuances de interpretação, que em muito auxilia na construção do meu caminhar artístico. E olha que lá se vão mais de 25 anos de vida nas artes.
Neste artigo vou contar um pouco da minha dinâmica como Ator de Simulação, explorando três diferentes perfis de atuação: Paciente Simulado, Paciente Padronizado e Participante Simulado.
Desenvolvimento
Antes de começar a minha jornada, distinguindo os tipos de simulação, vale dizer, previamente, que existe uma preparação, uma ambientação base, que servirá de modelo para que o ator esteja pronto para qualquer tipo de simulação que venha desempenhar. Isto, de forma geral, tem a ver com o tipo de informação recebida, que apoia o artista na composição de seu personagem, ou seja, dados pessoais, perfil comportamental, gesto corporal, voz, estado de saúde atual etc.
Feita essa colocação, sigamos.
Paciente Simulado:
Neste perfil vale muito a fluência entre Paciente e Médico. O ator entra em cena munido das informações a respeito de seu personagem/paciente e, também, evidencia os sintomas de sua comorbidade. Durante a consulta, a investigação do médico e a consequente resposta do paciente é feita de modo mais aberto, mais fluido, sem perder a dinâmica e o foco da interação, que requerem uma comunicação assertiva e direcionada. O ator pode trabalhar melhor as nuances de seu personagem, ser mais abrangente, desde que permaneça dentro das características de cada perfil, que são previamente estabelecidas. À medida que o paciente é questionado, se este entender a comunicação apropriada do médico, lhe responde de forma clara. O mesmo ocorre também no exame físico e, consequentemente, etapa do diagnóstico.
E como eu me preparo para este tipo de cenário? Na minha perspectiva, o importante é a segurança no “perfil do paciente” que eu vá simular e como isso se reflete durante o atendimento. Explico melhor.
Como se trata de uma simulação mais aberta, pode ocorrer do médico fazer perguntas que não estejam nas descrições do paciente simulado e, sim, no seu subtexto, digamos. E o desafio aqui é ser o mais neutro possível para garantir que a condução do atendimento siga o seu propósito.
Portanto, é um tipo de atuação mais livre, por ser mais abrangente, mas, isso exige atenção redobrada e foco no contexto geral do paciente.
Paciente Padronizado:
Na simulação com Paciente Padronizado, as informações prévias são precisas e sucintas. O personagem, digamos assim, é mais “neutro”, pois nesse caso o ator é treinado para interpretar um papel específico, seguindo um roteiro pré-determinado, com uma “fala padrão”, replicável por qualquer outro ator. Este cenário acontece, principalmente, em ambiente de prova, em que vários atores interpretam o mesmo paciente simulado e, portanto, devem permanecer com as mesmas características, para que alunos obtenham as mesmas informações e sejam avaliados pelo seu particular desempenho.
Se no cenário do paciente simulado o fator atenção é de suma relevância, o desafio na simulação do Paciente Padronizado é ainda maior. Sempre levo em conta alguns detalhes, antes de entrar em cena com esse perfil de paciente, que são pontualmente refinados com a ATO, para que tudo cumpra com o objetivo esperado.
Vamos a alguns desses detalhes, usando como exemplo o ambiente de prova:
– O nome do paciente deve ser o mesmo a todos os atores que farão a simulação com este perfil;
– As respostas têm que ser as mesmas, independentemente de como são feitos os questionamentos, ou seja, quando as perguntas são realizadas de forma parcial ou integral (você é casado, tem filhos, quantos filhos, tem alguma religião?) as respostas são idênticas, mesmo se dadas parcial ou integralmente (sim, sou casado – tenho filhos – 02 filhos – sou evangélico);
– Combinar com os demais atores, de mesmo perfil de paciente, até mesmo alguns gestos que denotem algum desconforto que precise ser identificado pelo aluno em avaliação;
– Em caso de alguma resposta errada, contrária às informações do paciente, tenha calma. Fale abertamente ao aluno que se equivocou e de a resposta correta.
Enfim, esses são alguns dos itens que precisam ser afinados, antes de entrar em cena. Aqui vai uma dica aos atores que se depararem com esse cenário de atuação, reforçando o último item aqui destacado. Tenha calma e tranquilidade e separe bem o ATOR da PERSONAGEM, ou seja, o ator deve estar sempre alerta, íntegro e sensível a tudo o que acontece na simulação, mesmo que o seu personagem/paciente demonstre sentimentos contrários a essa estabilidade emocional.
Participante Simulado:
Essa dinâmica é bem peculiar, pois, na simulação com Paciente Simulado, o ator, por vezes encena um personagem de apoio ou, até mesmo, um que seja relevante para o cerne da simulação. Daí, destacamos: um parente, familiar, amigo etc., que tenha a ver com o paciente em questão e, em alguns casos, um profissional de saúde como um enfermeiro ou até um médico, por exemplo. Nesse perfil de atuação vale muito a inteiração entre ele e o paciente simulado, pois o participante pode atuar como agente facilitador ou complicador, durante a consulta, dependendo da estrutura criada para cada simulação.
O desafio aqui é manter-se concentrado em complementar, de forma efetiva e pontual, às informações pertinentes ao paciente simulado, personagem central do cenário em questão. Em minha experiência neste perfil de encenação, entre outras atuações, já fui irmão, pai e amigo do paciente simulado, inclusive quando este era um manequim, que enquanto estava sendo monitorado por aparelhos, o acompanhante (pai, no caso) tinha que atender às indagações dos médicos.
Quando a cena exige mais de um ator em uma mesma simulação, um como complemento do outro, o cuidado é afinar a sensibilidade dos dois, seja do paciente ou do participante simulado, para que o cenário seja verossímil e atenda às suas perspectivas. Isto quer dizer que os atores devem estar alinhados com as informações da simulação, respeitar o tempo de fala do outro, não se “atropelarem” no discurso e estar atentos a tudo o quanto se passa durante o atendimento, para discernirem, por exemplo, onde se encaixa uma resposta mais neutra ou mais direta, dependendo do que inquirir o aluno ou profissional de saúde.
Conclusão
Com certa experiência no ramo, eu percebo que a vivência do ator que atua com a simulação clínica desempenha um papel essencial na eficácia do treinamento e aprimoramento das habilidades clínicas dos alunos e profissionais de saúde, assim como melhora a comunicação, a empatia e a humanização nos atendimentos médicos.
A meu juízo o ator contribui para a criação de um ambiente de aprendizado realista, desafiador e seguro, criando benefícios distintos e proporcionando uma experiência de aprendizado enriquecedora. E, para corroborar o que digo e acrescentar ainda mais os argumentos que pontuo aqui, tem um vasto material nas mídias sociais da ATO que demonstram isso, seja nos vídeos encenados e, ainda, diversos artigos e outros materiais sobre tudo o que envolve a Simulação Clínica.
Nos três diferentes perfis de atuação que cito aqui neste artigo, creio que eu tenha realizado um percentual maior nos casos de Paciente Simulado e, confesso, pessoalmente é o que mais gosto de atuar, pois ele proporciona uma partitura maior de nuances ao personagem, principalmente quando daqueles que exploram os aspectos emocionais, comportamentais etc.
Ah, mas aí vai uma dica, um conselho aos atores e atrizes que querem estender o seu fazer artístico a esse ramo tão nobre quanto engrandecedor. Importante saber, ter sempre em mente.
Numa Simulação Clínica, nós NÃO SOMOS a personagem principal, pois esta fica a cargo do aluno ou profissional de saúde. Acredito que vocês já leram o E-book da ATO, no qual a Karen reforça bastante essa premissa, somos peça fundamental, mas o protagonista não somos nós. Então, de outro modo, sim, temos assegurado o nosso relevante papel, como ferramenta essencial no desenvolvimento e aprimoramento, não só técnicos, mas, assim penso, principalmente humano, do tipo de médicos que queremos que “atuem” em nossa sociedade.
E quantos são os aprendizados que, nós atores, absorvemos para o engrandecimento da nossa profissão? Muitos, eu diria. Arrisco dizer que se, não forem maiores que dos alunos, ao menos se equivalem, pois em muito enriquecemos o nosso fazer artístico, descobrindo novos formatos de colocar em prática o que já dizia Milton Nascimento, renomado cantor brasileiro: “Todo o artista tem de ir aonde o povo está”.
E se é assim, assim será!
Escrito por: Marcelo Machado, ator do casting da ATO
Revisão: Karen Estevam, fundadora da ATO
Fotos: Arquivo pessoal ATO Simulação Clínica
Na conclusão do artigo, Marcelo cita o e-book Simulação Clínica com atores, escrito por Karen Estevam, se você ainda não leu, aproveite para baixar gratuitamente, é só clicar em Download do E-book, menu do nosso site.